Radionovela

 

Narrador: Estamos no ano de 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil e nossa história, começa agora. O Primeiro personagem da nossa história que vamos conhecer é Germano. Germano 26 anos, moreno claro, olhos castanhos, cabelos pretos curtos, 1,70 de altura, aparentemente magro. São estas as características físicas de Germano Ferreira, do tipo que a mineira chama de “simpático”. Homem honesto, sonhador e trabalhador, Germano mora na pequena cidade de Felixlândia, em Minas Gerais. Trabalha em um armazém há muitos anos. Esse  foi o primeiro emprego dele que sabe tudo dentro do negócio. O maior sonho de Germano é assistir a uma Copa do Mundo de Futebol e, sua esperança, é conseguir realizá-lo no Rio de Janeiro.

   

Germano – É Catarina, já está tudo pronto. 

Catarina – Tudo o que, Germano?!

Germano – Uai, pedi as férias pra podê ir pro Rio. Já juntei minhas coisa e peguei meu dinheiro tudo pra podê ir pra lá. Vendi a bicicleta e até o coitado do papagaio porque quero assistir ao meno um jogo da Copa.

Catarina – Mas Germano, esses trem é tudo muito caro... Duvido q’ocê vai consigui assistir esse tal jogo aí. E cê já pensou on q’ocê vai dormí? Que q’ocê vai cumê, criatura?

Germano – Ó Catarina, ocê num vem urubuzá meus plano não, viu? Não tem nada resolvido ainda. Já ouvi falá q brasileiro nunca que disisti. E eu sô brasileiro uai!! Vou pra lá com a força e coragem pra podê assistí um jogo do meu brasilzão.... Esse ano nóis é hexa muié... E não tô neim esquentano com esse negócio de dormi. Não vou pra morar, vou pra torcê e realizá o sonho de vê minha seleção humiá a Arrrgentina, colocá mais uma estrela naquela camisa verde e amarela.

Catarina – Baum, se ocê tá falanu. Eu não vô insisti c’ocê Germano. Num dianta falá q’ocê num escuta mêmo. Mas depois num vem dizê q eu num avisei procê. Que dia q’ocê vai?

Germano – Vou hoje mês. O buzão sai daqui uma hora e só tem q terminá de arrumá a mala.

Narrador: Germano vai pra casa e começa a fazer suas malas e prepara para viajar para o Rio de Janeiro. Mal sabe o mineiro que ao sair da pequena Felixlândia para a turbulenta cidade maravilhosa ele vai passar por grandes apuros e viver um dos momentos mais marcantes e emocionantes da sua vida. Ao juntar as roupas e colocar o pouco dinheiro na carteira, Germano teme pelo que pode acontecer. “E se o dinheiro não der? E se Catarina estiver certa e eu não conseguir nem onde dormir? Pior, e se eu não conseguir assistir aos jogos da minha seleção?” (curta pausa) Essas perguntas começam a perturbar a cabeça de Germano que, por um momento, se deixa abater pelo pessimismo da colega de trabalho. Mas, o sonho de assistir no estádio pelo menos um jogo da seleção, faz o sonhador se reanimar e, ao olhar no relógio, percebe que o ônibus parte em alguns minutos.

 

Toca o telefone

Narrador: Na Cidade do Rio de Janeiro, Julio Garcia atende.

Júlio Garcia – (voz brava ao telefone) Alô. (curta pausa)  Ah não! Eu não acredito Ana Maria! Vocês duas brigaram novamente? Não faz nem uma semana que vocês voltaram a se falar! Eu preciso resolver todos os problemas dessa família?!

Julio Garcia desliga o telefone - GRITANDO – Eu não agüento mais isso!

Narrador: Esse é Julio Garcia, 45 anos, tem empresas na área de alimentos em todo o Brasil. Júlio é o patriarca da tradicional família Garcia, um homem de bom coração e grande caráter, mas sua ausência na família prejudica seu relacionamento com a esposa, Ana Maria Garcia, com quem é casado há 25 anos, e com a filha, a rebelde Camila de 23 anos. Filha única do casal, Camila foi criada por babás e desde a adolescência tem uma conturbada relação com os pais, em especial, com Ana Maria. Camila namora o trabalhador e sofrido José Carlos, um vendedor de pranchas que mora na favela Santa Maria, no Rio de Janeiro. Ana Maria não aceita a relação da filha com o rapaz, por ele ser negro e morar na favela. A mãe acredita que Camila namora José para irritar a mãe e não acredita no amor do casal.

Toca o telefone ?????????? de novo

Júlio – O que foi agora Ana Maria?

Ana Maria – (IRRITADA) Você fala dos meus problemas com a Camila, mas não vê que isso acontece porque você nunca está dentro de casa. Se estivesse aqui teria impedido a nossa filha de ir morar na favela! (não da pra entender)

Júlio – O quê?!

Ana Maria – (NERVOSA) Isso mesmo, após a nossa discussão a Camila pegou as roupinhas de marca dela colocou dentro daquela mala importada pra viver de amor na favela com aquele rapaz. Nossa! Prefiro nem falar o nome dele!

Júlio – É essa sua implicância com o relacionamento da Camila que faz ela tomar essas atitudes. Você não aceita o rapaz desde que a Camila apresentou ele naquele jantar na nossa casa. Isso é um absurdo, essa sua arrogância não vai levar nossa família a lugar algum.

Ana Maria – Tudo bem, Júlio. Eu já to cansada de ouvir seus discursos e suas críticas sobre a minha forma de criar a MINHA filha. Agora a pouco eu estava ligando no celular dela, mas ela não quer me atender de forma alguma. Faz alguma coisa pelo menos, e liga pra nossa filha e MANDA ela voltar pra casa agora mesmo.

Júlio – Ana Maria, eu vou ligar pra Camila e vou conversar com ela. Mas não vai ser pra mandar ela voltar pra casa, a nossa filha já está bem grandinha pra fazer as escolhas dela.

Ana Maria – Mas quais escolhas, Júlio? As escolhas dela sempre pesam no nosso bolso, então, ela não tem que fazer escolha nenhuma tem que obedecer a mim que sou mãe dela que vou à loucura com essas rebeldias. Manda ela voltar logo pra casa. O papai e a mamãe devem chegar do Sul na próxima semana pra assistir aos jogos da Copa e, se não encontrarem a queridinha deles aqui, vão achar que a culpa é minha.

Júlio – Tudo bem, Ana Maria. Eu vou ligar pra ela, mas só depois que eu sair da reunião. Aliás, estou atrasado. Preciso falar com uns fornecedores porque vamos abrir uma filial da empresa no interior de Minas Gerais, mas...

Júlio é interrompido por Ana Maria ao telefone

Ana Maria – Mas nada, não me interessa o que você vai fazer agora. Resolve logo os problemas da sua família e .... Júlio? Júlio? Arrrggg!!! Desligou na minha cara!!

 

EM MINAS GERAIS

Germano embarca na rodoviária de Felixlândia e enfrentará muitas horas de viagem até o Rio de Janeiro, até lá ele tem muito que planejar, inclusive os gastos, já havia se esquecido que precisa arrumar um lugar para dormir. O mineiro nunca saiu do interior de Minas e não sabe andar em cidade grande. É curioso e comunicativo e essas virtudes vão ajudá-lo, e muito, na conquista do seu maior sonho, assistir a um jogo da seleção brasileira.

Germano – (SUSSURA SOZINHO) - Ai meu DEUS, mi protegi. Num deixa que nada de ruim aconteça comigo e meso que nada dé certo, que eu volte  pro meu cantin em Minas, aqui é que é meu lugar.

Germano – (GRITANDO) – Apruma motô vam’bora!! Esse ôns tá demoranu dimais pra saí!!

 

Narrador: O motorista dá partida no ônibus.... e a busca de Germano por seu sonho, tem início.

 

NO RIO DE JANEIRO

No RJ Júlio resolve ligar para Camila

Toca o telefone:

Júlio – Alô, Camila? Você está me escutando?

Camila – Oi pai, tô sim. Nossa, tá uma barulheira aqui na loja.

Júlio - Quero falar com você, tem jeito de nos encontrarmos?

Camila – Tem sim, pai. No café de sempre? Poque café de sempre?

Júlio – Isso mesmo. Quer que eu pegue você?

Camila –Não, me viro sozinha. Em uma hora a gente se encontra lá, pede o meu capuchino, tá? Beijo pai.

Júlio – Beijo.

 

NARRADOR – Uma hora depois.

Camila – Oi pai, nem vi você antes de sair de casa. Aqui precisa ser mais emocionante

Júlio – É, e pelo jeito você já estava nas lojas fazendo compras. O precisa ser mais próximo da fala (realidade).

Camila - Que compras, pai? Tô trabalhando, trabalhando, entendeu?

Júlio – Nossa, não posso acreditar no que eu ouço! Onde está trabalhando minha filha?!

Camila – To na loja de surf que o José Carlos trabalha. Consegui um emprego pai! Tô tão feliz! Sou atendente lá, mas o Roberto, dono da loja, disse que se eu me dedicar e procurar me aprimorar posso ajudá-lo a comandar o negócio, já que sou formada em administração de empresas.

Júlio – Camila Garcia, empresária. Nossa minha filha, como eu fico feliz. Tudo bem que você não quis trabalhar na empresa comigo, não é?! Mas, acho que quem não vai ficar feliz é sua mãe...

Camila – Olha pai, se você me procurou pra falar daquela louca, neurótica da sua esposa e infelizmente minha mãe, pode dar um cento e oitenta graus e voltar pra sua casa. Já falei com aquela maluca hoje e, pra variar, ela xingou o meu namorado, a mim e a toda família dele. Tô cansada disso pai. Ela acha que é melhor que todo mundo.

Júlio – Calma, minha filha. As coisas não são assim....

Camila – Isso pai, você tem que falar pra ela. Nós brigamos sabe por que? Não, garanto que ela não ti falou... Pra variar, ela queria que eu ligasse pro Maurício. Ela não entende que eu não quero nada com esse cara pai. Ela não entende que eu amo o José Carlos.

Júlio – Mas minha filha, isso não é motivo pra você sair de casa.

Camila – É sim pai. Porque só assim ela entende que o nosso lance é sério, entende? Não adianta eu ficar lá, ouvindo os desaforos dela e não tomar nenhuma atitude e está resolvido, vou morar lá no Santa Maria com o José Carlos.

Júlio – Minha filha, volta logo pra casa. Eu não consigo dormir, pensando que você está longe de casa. Sei que a favela não é tão perigoso como todo mundo pensa, mas sei mais ainda que o seu lugar é lá em casa.

Camila – Pai, não insiste, tá? Vou morar lá e casar com o José Carlos. A gente vai construir uma família pai, vou ser uma mãe melhor do que a Ana Maria Garcia é. Não insiste, tá.

Júlio – Tudo bem, tudo bem. Mas agora, me fala mais do seu emprego.

Camila – (Fala animada) Paaaaaaaiiiiiiiii.... É tudo de boooomm.... Então, deixa eu contar desde o começo.... Foi assim. Na semana passada, eu deixei o José Carlos pra trabalhar e resolvi descer, pra conhecer melhor o negócio. Aí conversei muito com o Roberto, e ele me ofereceu um trabalho lá com eles, já que eu curto a área. Na hora nem aceitei, pensei que estaria tomando o espaço do José Carlos, sei lá, tirando a privacidade dele... Mas aí, hoje que briguei com a mamãe de manhã, pensei muito, fui direto lá e ele disse que a vaga ainda tava aberta.

Júlio – Nossa, muito bom, hein?

Camila – Bom, pai? É maravilhosooo... Então, aí hoje já comecei a ver como funciona a venda das pranchas, porque você sabe não é pai, tem tudo personalizado. E o Roberto e o José Carlos começaram a me explicar tudo (A VOZ VAI SUMINDO, DANDO IMPRESSÃO QUE ELA CONTINUA A FALAR COM O PAI, PODE SER ANTES MESMO DO FINAL DESTA FALA DELA)

 

Narrador: Germano já está na estrada há várias horas e, quando se dá conta, já chegou na cidade maravilhosa. Quantos carros, quanta gente, quanto prédio.... Quanta novidade. Por um momento, fica fascinado com o tamanho da cidade, que ele mal viu pelas janelas do ônibus. Mas o fascínio logo passa quando chega na rodoviária e encontra tantas pessoas, ele se sente perdido, não acredita que exista tanta gente em um só lugar.

Germano – Carma gente! Que povo apressado, sô! Ou, não precisa impurrá! Eu, hein!

Narrador – Um cartaz pregado na rodoviária chama sua atenção. É um anúncio de onde os últimos ingressos para o jogo do Brasil serão vendidos.

Germano – (fala baixinho) – Maracanã! Meu Deus, o primeiro jogo do Brasil vai ser no Maracanã. Brasil e Portugal, um clássico do futebol mundial! Eu não posso perder essa oportunidade.

Narrador – Mas as vendas do ingresso começam só no dia seguinte e antes de ir comprá-los, Germano precisa encontrar logo um local para dormir. Já anoitece no Rio de Janeiro e as notícias de que a cidade é violenta, preocupam Germano que procura informações sobre onde pode dormir durante sua estadia na cidade.

Germano – Oi moço, boa noite!

Fernando – Boa noite!

Germano – Eu sou do interiô de Minas e vim pra cá pra assiti um jogo do Brasil. Mas tô sem lugá pra dormi. O sinhor não sabi de nenhum lugá não?

Fernando – Olha rapaz, a Copa do Mundo começa nessa final de semana, eu acho difícil você arrumar algum lugar nessa altura do campeonato. Mas, hoje pela manhã, ouvi falar que ainda existem vagas em uma pensão há alguns quilômetros daqui.

Germano – (ASSUSTADO) – Quilômetros moço? Mas o jogo num vai ser aqui no Rio?

Fernando – (RESPONDE RINDO) É, vai sim. A cidade aqui é muito grande. Maior, muito maior do que você pode imaginar. Essa pensão que estou falando pro senhor fica perto da favela Santa Maria e...

Germano – Favela? Mais eu num vô pra favela de jeito ninhum... que isso moço, eu sou um homi honesto. Ora!

Fernando – E o que tem o senhor ser ou não honesto. Aqui nem todo mundo teve a mesma oportunidade para morar em casas grandes e bonitas, e tem mais, o senhor está muito enganado se pensa que na favela não tem gente decente e trabalhadora, pelo contrário, são pessoas que lutam pra viver e não estão prejudicando ninguém. Aliás, existem muitas pessoas que vivem em grandes casarões aqui no Rio e em outras parte do Brasil e até do mundo, que vivem as custas do nosso dinheiro, fazem o mal e nos prejudicam a todo instante.

Germano – É, o sinhor tá certo mês. Me descurpa, viu? Mas, aqui. O sinhor mora nas favela daqui.

Fernando – Não, não moro não. Mas se morasse, teria o maior orgulho, porque conheço várias pessoas, inclusive que trabalham aqui, que moram favelas da cidade.

Germano – Tá certo, tá certo. Me esqueci de perguntá seu nome.

Fernando – É Fernando.

Germano – Que legal, gostei do sinhor.

Fernando – Tá certo, senhor. Agora, preciso voltar ao trabalho. Se eu fosse o senhor daria logo um jeito de procurar esse pensionato, chama-se Pensão das Flores e dona Marta é a dona do local. Ela é uma pessoa muito boa, garanto que vai atendê-lo muito bem, se ainda tiver vagas. Não estou garantindo nada.

Germano – Não, tudo baum. Não tem problema. Mas, como faço pra chegá nesse lugá?

Fernando - Eu não tenho certeza, mas acho que o metrô deixa você bem perto de lá.

Germano – Mas eu nunca andei nesse trem aí não.

Fernando – Não é trem, é metrô.

Germano – Tá baum, cê intendeu? Pra mineiro quarqué coisa é trem... O Fernando, me ensina chegá nesse lugá...

Fernando – Tá certo. Está vendo aquele prédio ali na frente? Rosa com branco?

Germano – Aham.

Fernando – Então, fica atrás dele.

Germano – Nossa sinhora, mas aquele prédio é longe dimais. Num tem outro aqui mais pertinho não?

Fernando – Mas como você é preguiçoso! Lógico que não tem, se tivesse indicaria o mais fácil pra você. E o metrô nem é tão longe, fica a menos de uma hora daqui.

Germano – Nossa sinhora, na minha cidade uma hora dá pra ir na casa do cumpade, que mora longe mês, tomá um café, comê um pão de queijo, e vortá pra casa pra mode assisti o jornal.

Fernando – Pois é, aqui não é assim e não tem compadre nem pão de queijo. Vai ter que ralar mineiro, senão fica sem onde dormir.

Germano – Tá certo Fernando. Vou imbora intão. Muito obrigado! A gente se incontra aí nas esquina.

Fernando – Tá bom. Agora vai senão perde seu metrô e eu, meu emprego. Boa sorte!

Germano – Óia, procê tamém!

 

Narrador – Germano caminha em direção ao metrô quando percebe que está sendo seguido. Ele começa a andar mais rápido e seu perseguidor também, e, quando ele menos espera...

Raimundo – Passa a bolsa, vamos rápido, passa a mochila....

Germano – Que isso moço, não vou passar nada não....

Raimundo – Ah, não vai passar não?!

Narrador – Raimundo começa a agredir Germano que reage com chutes e socos. Muitos passam pela rua, mas ninguém separa. Dois policiais viram a ação do marginal, que ao perceber a presença militar, saiu correndo e levou parte do dinheiro que Germano levava na mão para pagar a passagem de metrô. O dinheiro não estava trocado e o que foi roubado, certamente vai fazer para o mineiro.

Germano – Meu Deus, esse hômi levou um monte de dinheiro meu.... cumé que eu vô fazê?

Narrador: Preocupado, Germano olha na mochila e vê que a maior parte do dinheiro está lá, mas pode não ser o suficiente para ficar os dias que precisa na cidade maravilhosa. Ao conversar com um dos moradores da cidade, Germano percebe que correu risco de vida. O moço que roubou seu dinheiro é perigoso e age naquela região roubando pessoas. Por um momento ele fica com medo mas, procura esquecer o que aconteceu e na estação do metrô se informa sobre a favela Santa Maria. Um dos passageiros que aguarda o metrô orienta Germano que, esperto, logo entende como chegar ao local.

Narrador: Julio chega em casa preparado para encarar o mau humor de Ana Maria. Ele entra em silêncio e sua esposa vem ao seu encontro como uma pessoa pronta para agredir alguém.

Ana Maria – (VOZ BRAVA) Júlio, cadê aquela pirracenta Camila?

Julio – Não veio.

Ana Maria – E você fala isso assim, nessa calma? Como assim, não veio?!

Julio – Não veio, porque está bem e feliz onde está vivendo com o namorado, diferente daqui, que precisa agüentar os seus questionamentos e infinitos momentos de loucura. Onde você estava com a cabeça quando pediu a Camila para procurar o Maurício? Eu já disse várias vezes que esse namorico que eles tiveram foi um erro, eles não tem nada a ver.

Ana Maria – Muito me surpreende a sua atitude de apoiar as loucuras da sua filha. Se ela tivesse levado a sério o namoro com o Mauricinho, com certeza ela estaria mais feliz do que aquele vendedor de pranchas.

Julio – José Carlos. O nome daquele vendedor de pranchas é José Carlos. Aliás, por falar em vender pranchas, já fique sabendo que a Camila está trabalhando com ele na loja. E tem mais, recebeu um convite do dono para administrar o negócio.

Ana Maria – (histérica) – O que? Não acredito, tanto que eu pedi pra ela não namorar com ele que acabou ficando igual à ele. Você permitiu essa loucura dela?

Julio – Que loucura, Ana Maria? Ela está trabalhando, fazendo o que você deveria ter feito quando nós nos casamos. Aliás, toda essa “loucura” que você diz, só aconteceu por causa dos seus ataques de histeria e tentativas de manipular a vida da nossa filha. Ela não é você, ela tem opinião e vai viver da forma que achar melhor. Aliás, foi por causa de toda essa sua insistência, de acabar com o namoro dela com aquele rapaz, que ela saiu de casa. Está lá, na favela Santa Maria, vivendo com dificuldades para não estar aqui ao seu lado. Sua implicância só fez o amor daqueles dois aumentar. E tem mais, aliás, não tem mais coisa nenhuma, acabou esse assunto. Eu trabalhei o dia inteiro e não vou discutir com você sobre isso, pra mim chega!

Ana Maria – Ah é? Você que pensa, papai e mamãe chegam na próxima semana e eu quero ver o que eles vão achar da netinha deles estar morando na favela.

Julio – Isso você resolve com eles, são seus pais. Aliás, vai recebê-los sozinha no aeroporto, porque eu vou pra Minas semana que vem e não sei se volto a tempo de buscá-los com você. Quer saber? Melhor assim, pelo menos você ocupa sua cabeça com seus pais e deixa eu e sua filha em paz.

Ana Maria – Você vai se arrepender por ter tomado essa atitude.

Julio – Tá bom, tá bom. Quando eu me arrepender a gente vê o que faz. Boa noite!

Ana Maria – Mas você vai me deixar aqui? Estava esperando você para o jantar.

Julio – Estou sem fome. Comi alguma coisa com a Camila na rua, aliás, foi ela quem pagou a conta. Estou orgulhoso dela.

Ana Maria – Eu não posso crer no que ouço.

Julio – Então tampa eles pra não ouvir coisa pior.

Ana Maria – Grosso!

Julio – Dondoca!

 

Narrador: Germano chega ao pensionato Jardim Primavera e dona Flor é a responsável pela casa. Ele combina o preço com a dona da pensão e se informa sobre os jogos da Copa do Mundo. Ela explica que muitos ingressos já foram vendidos e será sorte se o mineiro conseguir algum. Ele diz à ela que vai acordar bem cedo na manhã seguinte e irá até o Maracanã comprar suas entradas. Germano pega as chaves de seu quarto até ele. Cansado ele senta na cama e agradece à Deus por tudo estar  dando certo. Por um momento ele lembra de Raimundo, moço novo, deve ter a mesma idade que ele e roubando nas ruas da cidade. Germano nunca vai esquecer o olhar de desespero daquele rapaz. Em pensamento Germano questiona: será que ele é mesmo perigoso como alguns disseram?

Germano – Coitadinho, num deve é tê família. Mas quer saber, vou é dormi porque amanhã, beim cedinho eu ei de levantar pra pudê comprá os ingresso do jogo. Brasil e Portugal, já pensou... ihihihihi!!!

Narrador – Germano adormece e precisa mesmo descansar. Amanhã seu dia será cheio de surpresas.

O GALO CANTA

Narrador – O dia amanhece e Germano é o segundo a levantar na casa, depois lógico, de Dona Flor.

Germano – Bom dia, dona Flor.

Dona Flor – O que é isso, rapaz? Me assustei, achei que era ladarão.

Germano – Ora, dona Flor, e ladrão dá bom dia!?!

Dona Flor – É verdade, me assustei à toa. Mas , onde você vai rapaz. Está ainda tão cedo...

Germano – Uai Dona, vou lá no Maracanã, vô comprá os ingresso pro jogo do Brasil e do Portugal, eu só vou tomar um gole de café e cume um pão, porque preciso saber como chega lá.

Dona Flor – Germano, meu filho trabalha por aquelas bandas de lá. Se você quiser, peço pra ele dar uma carona pra você.

Germano – Mas é claro que eu quero. Mas ele já tá saínu?

Dona Flor – Está acabando de se arrumar, vai deitar um pouco que eu chamo você quando ele estiver saindo.

Germano – Eu, deitá? Mais de jeito ninhum, vai que seu fii vai embora e larga eu pra tráis? Vou é mi sentá aqui na cadeira e ficá esperanu ele.

Narrador – O filho de Dona Flor acaba de se arrumar e leva Germano até o Maraca. Chegando lá, Germano se assusta com o tamanho do estádio.

Germano – Nussa senhora! Mais que tamanho de trem é esse, sô! Nussa, cabe minha cidade interinha nesse negócio aí. Bunito, viu?! Grande também, deve dá o maió trabaião pra limpá, eu hein?

Germano - VOZ DE SUSTO – Nussa sinhora! Que que isso aqui gente? Tá parecenu fila do INSS. O moço, que que é essa fila aqui.

Lucas – E aí, mermão? Beleza? Essa palhaçada aqui é pra comprar ingresso do jogo da semana que vem.

Germano – O que? Mas, desde que horas que ocêis tá aqui?

Lucas – Eu cheguei aqui era 10 da noite de ontem, tem mano aí que tá desde a tarde de ontem.

Germano – Mas, porque não compraram então, se estão desde ontem aqui?

Lucas – Porque o dia de venda de ingresso é hoje e amanhã. Se sobrar, o que eu acho difícil.

Germano – E agora, moço?

Lucas – E agora que nós vamos ter que esperar. Tem que trabalhar? Se tiver avisa o chefe, porque essa bagaça aqui vai demorar, e muito.

Germano – Eu, num tennho que trabalhá não sinhô. Vou ficá aqui co’cê.

Lucas – Falou então. Vamos ver que horas que a gente sai daqui.

 

Narrador: Germano está despreparado, não levou comida, não levou proteção, nem do sol, nem da chuva. Sorte que a previsão não era de chuva naquele dia, senão teria ensopado. O tempo passa, a fila não anda e o pessoal começa a reclamar, mas ninguém desiste. Sai uma briga aqui, outra lá, e Germano firme, com fome e calor, igual a todos ali. Alguns passam dizendo que o ingresso acabou e Germano quase sai da fila.

Lucas – Que isso mano? O que você está reclamando?

Germano – Cê num viu? Aquele moço ali disse que os ingressos acabaram e ...

Lucas – Acabaram coisa nenhuma. Quando acaba os responsáveis pela venda é que avisam. Aquele nó cego está querendo é que a gente saia da fila. (GRITANDO) Vem cá, safado! Vai enganar outro, viu?! Vai ficar sem ingresso babaca!

Germano – Óia Lucas, num faiz isso não! Deixa ele pra lá, deve de tá cansado, qui neim nóis mesmo.

Narrador – O dia passa, mas a impressão é que a fila anda um centímetro por hora. Mas está acabando, e ele já avista a bilheteria. A emoção está a flor da pele, o coração começa a bater mais forte, a mão sua. Toda hora Germano confere o dinheiro pra ter certeza que está todo ali. Que momento! Ele não arrepende nem por um segundo de ter esperado as mais de oito horas na fila. A fila parece andar mais rápido. Lucas compra o dele e se despede de Germano.

Germano – Oi moça! Muita boa tarde pro cê. Me vê um ingresso aí, por favor.

Atendente – Duzentos e cinqüenta reais.

Germano – Não, óia o meu é só um ingresso. Pode me vender só um mês.

Atendente – Esse é exatamente o preço do ingresso. De um ingresso.

Germano – Mais lá naquele anúncio na estação do trem, quer dizê, do metrô tava dizenu que era cento e cinqüenta.

Atendente – Nesse valor nós já acabamos de vender, e há muito tempo rapaz.

Germano – Nossa sinhora, mais esse valor aí eu num tenho aqui não. Ia é disinterá meu dinheiro, se eu tivesse com essa dinherama toda aqui.

Narrador – Germano se desespera e a fila também. Alguns começam a xingar e outros aproveitando, causam tumulto para poderem furar a fila.

Atendente – Moço, se você não tem, por favor, dê lugar para os outros.

Germano – (com voz de choro) Mai eu to aqui deis de cedo moça. Guarda aí um pra mim que eu vô lá na pensão e compro.

Atendente – Senhor, eu não posso. Por favor, não insista. Vai, dê lugar para o próximo, se o Brasil vencer esse jogo você compra o ingresso do próximo.

Germano – Mais é que eu num vô é tê dinheiro, moça. Eu fui robado.

Atendente – Entendo, mas agora eu preciso atender os demais. Favor sair da fila.

Narrador – Germano para por um momento e olha para trás, vê aquela fila que parece ser infinita. Com medo de ser linchado, ele sai da fila e fica olhando os outros comprarem.

Germano – Meu Deus do céu. Por que que o sinhô feiz isso cumigu? Eu saí lá daquela currutela pra vim passá essa humilhação aqui. Que que vai ser di mim agora? Como que eu vô voltá pra casa, que que eu vô dizê pra minha família, pros meus primos, pra Catarina? Todo mundo há de rir de mim, eu sô um troxa mês. Quando que eu ia tê dinheiro pra assisti uma copa do mundo?

Narrador: Ele fica mais algum tempo ali e a fila vai aos poucos acabando. Ele vira as costas e vai procurar um lugar para comer, está faminto, cansado e decepcionado com aquele dia que tinha de tudo para ser o início da realização de um sonho. Ele vai até uma lanchonete para comer e assisti o noticiário esportivo. Todos os ingressos haviam sido vendidos em 10 horas, várias pessoas ficaram sem sua entrada pelo alto preço comercializado pelos organizadores do mundial. Por um momento, os olhos de Germano marejam e ele sente vergonha por não ter todo o dinheiro que pediram.

Germano – Eu pagaria, mesmo que fosse pra ficá sem o dinheiro, passaria fome aqui, se fosse priciso. Meu Deus, qui decepção.